sábado, abril 14, 2012

Despertar

Sempre achei genial a escolha de Kafka para o início de suas histórias. Para quem não conhece, o escritor tcheco é autor de tramas angustiantes, profundas, complexas e que sempre começam com um despertar. Desperta, e está sendo processado. Desperta, metamorfoseou-se em uma barata.O despertar, neste caso, é simbólico. Trata-se do rompimento, da transformação. É como se, antes do despertar, o mundo estivesse em sua perfeita ordem e então, no momento em que se abre os olhos, tudo mudou e é impossível voltar atrás.

Tudo se torna pior depois que despertamos...

Nos dias de tristeza, é assim. Ao abrir os olhos, a vontade é de fechá-los imediatamente e não voltar mais a abrir até que as coisas voltem a ser como antes, até que tudo passe, se encaixe novamente, até retomar a ordem natural.

Ou ainda, a vontade é de continuar no sonho, que não terminou. (eles nunca terminam) Até mesmo no escuro, no silêncio, para aqueles que não se lembram das imagens formadas pelo inconsciente. Qualquer coisa é mais aceitável do que ter que despertar. Despertar... e lembrar das palavras ditas. Despertar...e lembrar das decisões a tomar. Despertar... e encarar a realidade. Despertar... e ter que seguir adiante, quando a única vontade é enfiar novamente a cabeça no travesseiro.

Não se trata de acordar simplesmente. Nem só abrir os olhos e deixar de dormir. A dor está no despertar da consciência, quando somos obrigados a deixar o conforto do refúgio do sono e ver que esta não é vida que você queria. Não foi assim que você planejou. E que merda que as coisas são assim.

Quando há algo de doloroso em nosso coração, ao despertar, é como se tivesse acabado o efeito da anestesia. Lentamente, ao passo que o corpo retoma suas ações, vêm junto as sensações: medo, angústia, saudade, solidão, melancolia... Assim, eu só sei que estou realmente bem, plena e satisfeita, quando despertar não dói.

Gregor assume forma de uma barata. Josef K. é preso e condenado. E eu, a cada despertar, espero minha metamorfose. Eu continuo a mesma. Nada muda. E eu me pergunto: até quando?

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